(Reportagem especial em parceria com o site Chequeado, da Argentina)
O candidato à presidência dos Estados Unidos Donald Trump é um sujeito dado a controvérsias internacionais – como fez ao propor a criação de um muro que impeça mexicanos de imigrar para os EUA. Com patrimônio de US$ 4 bilhões, segundo a Forbes, Trump emergiu como empresário bem-sucedido do ramo imobiliário a partir da década de 1980.
A cereja do bolo de seu império de hotéis, campos de golf e edifícios comerciais é a Trump Tower, um arranha-céu na Quinta Avenida, em Manhattan, concluído em 1983. O prédio, que continua a ser a sede das Organizações Trump, serve também de moradia para o empresário e sua família.
Ali, em 2002, Donald conheceu o empresário Ricardo Bellino, que viria a se tornar seu primeiro sócio brasileiro, no episódio que se transformou, em vez de um negócio imobiliário de sucesso no interior de São Paulo, num livro sobre empreendedorismo com prefácio do magnata. A obra estreou nos EUA, em inglês, em 2005 com o título You have 3 minutes! – Learn the secrets of the pitch from Trump’s original apprentice. “A história que nós construímos ficou muito maior do que os projetos”, contou Bellino à Pública.
Há poucos dias, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, palco dos Jogos Olímpicos iniciados no final de semana, Trump, enfim, concretizou seu primeiro empreendimento no país: o Trump Hotel Rio, que fará dobradinha com outro projeto na região portuária da cidade, as Trump Towers Rio, ainda sem previsão de lançamento.
Além do Rio, outros países da América Latina foram contemplados nas incursões comerciais do candidato republicano, que em alguns casos licencia a marca e em outros administra os empreendimentos. A cidade do Panamá já tem empreendimento com a marca do magnata. Punta del Este, no Uruguai, tem uma Trump Tower em construção. E Buenos Aires, na Argentina, é o próximo destino Trump na região.
Negócios no Rio
O prefeito carioca, Eduardo Paes (PMDB-RJ), costuma dizer que a Barra da Tijuca é o bairro “coração dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos”. Inaugurado na mesma região nobre, o Trump Hotel Rio faz o visitante espichar o olhar para além da deslumbrante orla carioca. “Sabe de quem é esse prédio?” “Na planta diz que é aquele moço dos EUA… Clinton?” “Você quer dizer Donald Trump?” “Esse mesmo”, disse um operário durante visita da reportagem em meados de julho, enquanto pausava a britadeira que abria espaço para o deck do hotel.
O hotel está localizado na esquina da avenida Lúcio Costa com a professor Coutinho Fróis, e para os Jogos todos os quartos foram reservados a integrantes do Comitê Olímpico Internacional (COI). Depois da torre erguida no Panamá em 2011, essa é a segunda operação hoteleira de Trump na América Latina, que dispõe de 170 quartos ao longo de 13 andares, com suítes de 34 metros e 450 metros quadrados, piscina aquecida e vista para o Atlântico. No alto do edifício, é possível ver o nome do candidato republicano em letras douradas.
A rede Trump Hotel Collection elenca atrativos no site oficial, como a localização próxima ao Village Mall, centro comercial de luxo, que possui lojas de marcas famosas, além de ficar nas imediações de badalados restaurantes. Entre a dúzia de trabalhadores que conversaram com a reportagem nos arredores da praça do Ó, ao lado do hotel, metade não sabia quem era Donald Trump. A metade que “ouviu falar” não conhecia em detalhes suas declarações polêmicas.
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, 35 anos, é o brasileiro por trás da chegada do Trump Hotel ao Rio. Além de sócio da LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A., incorporadora do hotel, Figueiredo foi CEO do grupo Polaris Projetos e Empreendimentos, empresa que fez consultoria ao negócio construído numa área de 16 mil metros quadrados, comprada por R$ 12,5 milhões há quatro anos, segundo o documento de compra e venda obtido pela Pública.
Antes de incorporar o Trump Hotel, a LSH Barra havia lançado um condomínio de casas de luxo com 22 mansões no mesmo bairro, o Disegno, com preços entre R$ 2,4 e R$ 5 milhões. Figueiredo, que é neto do último general da ditadura militar, João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), autor da célebre frase “Prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo”, optou por não dar entrevista sobre seus negócios com Trump.
O El País Brasil conversou com o neto do general em novembro passado, que contou ter conhecido Trump há quatro anos num campo de golfe na Flórida durante um almoço de negócios com Ivanka, filha do bilionário. “Ele me cumprimentou e estava indo embora até que Ivanka lhe disse que meu avô tinha sido presidente do Brasil. Aí ele pegou uma cadeira e se sentou”, disse.
Figueiredo se declara “liberal conservador” e assume sentir-se um intruso no Rio. “Meu carioca modelo vive como a classe média americana de Miami, e não a de Havana. Talvez por isso eu sinta que tenho cada vez menos lugar por aqui. Sinto-me um intruso na minha própria cidade”, escreveu para o site do Instituto Liberal no ano passado, em que exerce a função de diretor de Relações com o Mercado. O Instituto Liberal, voltado “a pesquisa, produção e divulgação de ideias” com base em uma “ordem liberal”, é presidido pelo amigo do empresário, o economista e escritor Rodrigo Constantino, que também é membro-fundador do Instituto Millenium (IMIL), o principal think tank da direita no Brasil, como mostrou a reportagem “A nova roupa da direita“.
Figueiredo e Constantino comungam não só ideias liberais, mas o prazer por armas de fogo. Nas redes sociais, não é incomum vê-los divulgando fotos empunhando pistolas e rifles ironizando quem os critica pelo hábito. Com mais de 7 mil seguidores no Facebook, o empresário comenta de Miami, onde mora, desde a situação política brasileira até às eleições norte-americanas: “Morro de rir dos brasileiros que acham que o Trump, o governo ou até a imprensa americana estão preocupadíssimos com o Brasil… vão perceber que, em geral, o Brasil não passa de uma notinha nos jornais ou um flash de 30 segundos nos noticiários. A maioria dos americanos só sabe que gostamos de futebol e nossas mulheres são gostosas”.
O parceiro de Trump escreveu sobre sua “passagem significativa” pelo setor público do Rio. Em 2005, aos 24 anos, Figueiredo integrou a equipe do atual prefeito Paes, na secretaria estadual de Turismo e, posteriormente, foi assessor especial de Pedro Paulo Carvalho o atual pré-candidato peemedebista à prefeitura, na Casa Civil. Em artigo, o empresário afirma estar em posição política “diametralmente oposta” em relação a Eduardo Paes, mas registra sua admiração: “um tremendo gestor e um cão de trabalho incansável. Ninguém me contou nada disso, eu vi pessoalmente”, escreveu, além de enfatizar que prefere Paes a Bolsonaro como presidente da República, apesar da “notória admiração” que tem pelo deputado federal do Partido Social Cristão (PSC).
Relações próximas
Com a inauguração do Trump Hotel, a operação hoteleira passa a ser gerida pela Trump Organization. “Uma vez por ano o Trump tem uma prestação de contas em relação ao contrato”, informou a LSH. “É uma franquia, um contrato de investimento”, resume a empresa, que afirma não ter havido aporte financeiro de Trump na construção.
Informação publicada pelo diário The New York Times no ano passado diz que o custo para a construção do hotel na Barra foi de US$ 120 milhões (R$ 415 milhões), valor negado pela LSH. “Por cláusulas contratuais e regulamento, não podemos fornecer essa informação”, afirmou a empresa. Mas à IstoÉ Dinheiro Figueiredo contou em 2013 que um fundo de investimento iria aplicar “R$ 235 milhões na construção de um hotel na Barra”. Diz a revista que, “pelas contas de Figueiredo Filho”, Trump iria “faturar R$ 80 milhões por ano”.
A Lafem, construtora do hotel, informou que foram utilizados 5.200 metros cúbicos de concreto, 551 toneladas de aço e movimentados cerca de 14 mil metros cúbicos de terra, o equivalente a mil caminhões. No Rio, o Trump Hotel fará concorrência com outros dois empreendimentos de luxo, o Copacabana Palace e o Fasano, em Ipanema. Segundo a LHS Barra, a diária do quarto luxo custará R$ 2.225.
O empresário Ricardo Bellino, o primeiro sócio de Trump no Brasil, explicou que o licenciamento de marcas para indústria hoteleira e imobiliária é uma prática comum. “Tem empreendimentos em Miami, por exemplo, Porsche Design, Armani Casa, com as mesmas características”, diz. O negócio, segundo ele, é baseado no tamanho da operação. “Nas operações de bandeiras hoteleiras, você não tem muito a figura do fee inicial [espécie de taxa que se paga como remuneração de direitos ou serviços], porque o ganho está baseado numa relação mais longa de gestão e administração. Você pega o hotel Hyatt em São Paulo, ele não é do Hyatt, é uma propriedade de um investidor, e o Hyatt faz a gestão hoteleira daquilo lá”, exemplifica.
Para dar suntuosidade ao que será um dos mais luxuosos hotéis do país, com cabanas VIP privativas nos decks e pisos revestidos de mármore importado da Turquia, foram contratados nomes de peso, como o estúdio do designer de interiores David Rockwell e o Witkin Hults Design Group, um dos maiores no ramo de hotelaria de luxo, que desenvolveu a área externa. Para o gerenciamento da obra, a LSH Barra contratou a Arquitetos do Rio, de Sérgio Dias, 69 anos, ex-secretário de Urbanismo do município na primeira gestão de Eduardo Paes.
Benefícios fiscais com bênçãos do COI
A chegada do Trump Hotel ao Rio vem na esteira da escolha da cidade, em 2009, para os Jogos Olímpicos. À época, o COI advertiu que a cidade deveria criar ao menos 10 mil novos quartos para garantir alojamento aos turistas que viriam ao evento esportivo.
O dossiê de candidatura da cidade prometeu 40 mil quartos. E, ao que tudo indica, cumpriu a promessa. Segundo a Rio Negócios, ligada ao município, a meta fora atingida em abril, com 49.600 unidades em operação.
Esse resultado só foi alcançado com incentivos do município, que em 2010 criou um pacote de benefícios fiscais para o setor hoteleiro (Lei 5.230). A legislação conferiu à atividade hoteleira isenção do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto Sobre Serviços (ISS), para serviços relacionados à construção e reconversão dos imóveis.
O Trump Hotel buscou obter a isenção de ITBI na Justiça ao perder o prazo legal estabelecido em lei (31 de dezembro de 2012). Segundo a Secretaria Municipal da Fazenda, a isenção foi negada, pois a LHS “não detinha Escritura Pública de Compra e Venda no momento da formulação do pedido”. Na Justiça, a negativa foi rebatida pela incorporadora do hotel com o argumento de que o órgão municipal agia “na contramão dos interesses do próprio município”. “Não soa razoável, portanto, que o órgão fazendário municipal se prenda a formalismos exagerados e com isso impeça que a implantação do hotel possa, de fato e de direito, contribuir para o atingimento do interesse público tutelado e perseguido pelo Município ao editar a lei de incentivo à construção de hotéis”, diz trecho da ação perdida.
Mesmo assim, o empreendimento Trump com o parceiro brasileiro conquistou benefícios fiscais previstos em outra legislação, a federal, graças a uma indicação feita pelo COI, o mesmo que hospeda parte de seus membros no hotel.
Segundo um documento da Receita Federal de junho de 2015, a LHS Barra foi habilitada ao gozo da isenção prevista na Lei nº 12.780/2013, como prestadora de serviço do Rio 2016. A assessoria da Receita informou à reportagem que “quem indica as empresas prestadoras de serviço à Rio 2016 é o próprio Comitê Olímpico Internacional”, não lhe cabendo “entrar no mérito da indicação”. A lei dá isenção de tributos federais na importação de bens, mercadorias ou serviços para uso e consumo vinculado diretamente à organização ou realização dos eventos, entre outros benefícios.
Trump Towers e Caixa Econômica
Ricardo Bellino afirmou que foi ele quem levou à mesa de Trump o projeto do Porto Maravilha, a área de 5 milhões de metros quadrados localizada no centro da cidade e que fora viabilizada numa engenharia financeira que envolveu os três níveis de governo. “Estive com o Eduardo Paes, tive acesso a todo o projeto lá atrás, no master plan. Eu realmente apresentei essa história pro Trump, que achou o máximo todas as maquetes virtuais e vídeos. É um projeto da magnitude dele”, disse.
Também o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB-RJ) foi a Nova York almoçar com o magnata e sua filha, Ivanka, em 2011. “O Eike [Batista] fala que o Trump gosta só de colocar a marca dele. Mesmo assim, é ótimo”, disse durante a viagem.
Um ano depois, porém, foi Eduardo Paes quem apertou a mão de Donald Trump Jr., vice-presidente da Trump Organization, ao anunciar a construção de outro empreendimento que leva o nome do magnata norte-americano: as Trump Towers Rio, o “maior investimento imobiliário da cidade”, segundo o prefeito.
A região do Porto Maravilha foi instituída por meio de uma operação urbana consorciada e é a maior parceria público-privada (PPP) do país, com execução de obras e prestação de serviços estimados em R$ 8 bilhões ao longo de 15 anos. Ao anunciar as Trump Towers, o filho do bilionário afirmou que o projeto seria algo “fantástico” para o Brasil, que surgia no mercado internacional de alto luxo. Paes comemorou ao pontuar que o Rio “precisava de pessoas como Trump para investir e todo mundo sair ganhando”.
As duas primeiras torres de 150 metros – de um total de cinco – estão em fase de aprovação pelos órgãos aos quais compete a emissão de licenças e autorizações necessárias à construção, o que frustrou as expectativas anunciadas inicialmente de ter duas torres em funcionamento para os Jogos Olímpicos. Os novos prazos não são revelados pelos empreendedores principais, a incorporadora MRP Internacional, da Bulgária e a Even Construtora e Incorporadora, de São Paulo, que na última eleição municipal carioca doou R$ 50 mil à campanha de Paes.
Para viabilizar o negócio, MRP e Even constituíram a empresa Landmark Properties Participações Ltda. Além disso, o negócio prevê a participação do fundo de investimentos Imobiliário Porto Maravilha (FII PM), administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF), nos arranha-céus. Nas torres em questão, orçadas em R$ 6 bilhões em Valor Geral de Vendas (VGV), o plano é alugar os escritórios corporativos para grandes empresas ou oferecer as torres à venda para investidores de longo prazo.
Diferentemente do Trump Hotel Rio, a organização do candidato republicano entra com a marca e ganha porcentagem sobre as vendas das unidades. Stefan Ivanov, da MRV e CEO das Trump Towers Rio, informou que não daria entrevista “em função do processo eleitoral nos Estados Unidos”. Já a assessoria da Even limitou-se a dizer que “não comenta projetos em desenvolvimento”.
A Pública solicitou via Lei de Acesso à Informação os detalhes integrais do acordo de sociedade da CEF nas Trump Towers Rio, mas o pedido foi negado, mesmo o banco sendo público, com base na lei que garante sigilo “fiscal, bancário, de operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional, industrial e segredo de justiça”.
Ao procurar a Cushman & Wakefield, corretora exclusiva indicada no site oficial do empreendimento para a locação dos futuros escritórios, a resposta veio em tom errático: “A gente não tem informações. Parece que o projeto está interrompido”.
Com exclusividade, a reportagem revela que a empresa britânica Salamanca Group, cogestora e investidora das Trump Towers Rio, especializada em gestão de riscos, com ativos de US$ 2,5 bilhões no mundo, figura nos Panamá Papers (saiba mais), com a criação de uma empresa nas Ilhas Virgens, Taylor Estate LTD, a pedido de Nicole Mieville, gerente sênior do grupo Salamanca.
No Brasil, o grupo tem experiência no mercado imobiliário e controla a Ecocil Incorporações S.A., uma das maiores empresas de desenvolvimento imobiliário no Nordeste do país. O site oficial das Trump Towers Rio afirma que o grupo tem trabalhado com sucesso com a MRP International desde 2006, “no Shopping Bulgária, um projeto de 135 milhões com 130 mil metros quadrados de área de varejo e escritórios, inaugurado em novembro de 2012”.
Martin Bellamy, chairman e CEO do grupo Salamanca, à época do anúncio das torres cariocas afirmou que há alguns anos a Salamanca identificou o Brasil como um mercado-chave. “Investimos mais de US$ 100 milhões no mercado imobiliário no país […]. Acreditamos firmemente que o Rio de Janeiro, em especial o mercado de escritórios, representa uma oportunidade fantástica para expandirmos esse compromisso”.
Remoções forçadas
Alardeadas como “o maior desenvolvimento urbano de escritórios dos países Brics (Brasil, Rússia, Índia e China)”, as Trump Towers Rio, quando erguidas, ficarão localizadas em dois lotes na rua Francisco Bicalho, 49, que por sete anos serviu de moradia para 70 famílias da ocupação “quilombo das guerreiras”, removidas pelo poder público em 2012 para dar lugar ao empreendimento.
Segundo os moradores, o imóvel abandonado fazia 20 anos pela Cia. Docas do Rio de Janeiro não cumpria nenhuma função social até ser ocupado pelas famílias. Maria Ivanilde de Morais, 45 anos, morou nas “guerreiras” por seis anos. Ela conta que a ocupação era organizada, tinha horta comunitária e a coletividade era a força para superar os problemas não mitigados pelo poder público. “Eu criei três filhos lá antes de nos removerem”, conta.
Nilde, como ficou conhecida, é cuidadora de idosos e desde a remoção mora não muito longe dali, no bairro do Santo Cristo, com aluguel social de R$ 400, enquanto aguarda a moradia definitiva prometida pelo município. “A gente tinha uma promessa do presidente da Cdurp [Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro], Alberto Silva, que a gente só sairia do prédio quando nossas unidades habitacionais ficassem prontas, mas não foi o que aconteceu”, reclama. “A gente lutou muito por aquele lugar e ver o Estado entregar o espaço para a especulação imobiliária é revoltante”, desabafa.